Sermão pregado na Igreja Batista da Tijuca em 05.11.1950
Eis aqui um assunto do qual nos aproximamos com reverência e temor. Qualquer descuido pode causar uma irreverência. Todavia, é este um dos trechos da Escritura mais ricos em lições para a família de Deus nos dias que correm como no decorrer dos séculos.
O Dr. Alfred Edersheim – (1825-1889), fez com grande propriedade um paralelo entre os grandes servos de Deus que realizaram grandes jejuns. O primeiro, Moisés, terminou seus 40 dias de jejum irando-se contra o pecado do povo e quebrando as tábuas da lei escritas pelo próprio Deus. Elias, o segundo, terminou seus dias de jejum cheio de desejo de morrer, uma vez que estava desprezado do livramento, Jesus terminou seus 40 dias de jejum servido por anjos. Jesus jejuou no início do seu ministério, Moisés no meio e Elias no fim.
Ao falharem, Moisés e Elias fizeram-no para deixar patente a impossibilidade do homem por si mesmo atingir o alvo glorioso. Em Cristo, temos, todavia, a vitória completa, e em cada vitória temos uma demonstração do quanto poderemos fazer se nos entregarmos em suas benditas, santas e gloriosas mãos.
I - A PRIMEIRA TENTAÇÃO E O SEU SIGNIFICADO
1. Notemos as circunstâncias que cercaram a primeira tentação. O batismo foi, sem dúvida, a grande experiência de Jesus e trouxe em si mesmo várias decisões do Mestre. Notemos que por ele Jesus estava se despedindo de uma vida de obscuridade para entrar numa vida de serviço ativo.
2. A cerimônia de batismo foi cheia de experiências gloriosas para Jesus. Primeiro a rejeição inicial de João em ministrar-lhe o rito. Estava mostrando-lhe apreço e adoração. Jesus, em sua humildade, conquista aquiescência do batizando. E então a multidão ali a olhar a cena. Notemos em seguida a voz que se fizera ouvir: "Este é meu filho amado em que minha alma se alegra". Era esta uma citação dupla do Velho Testamento. Primeiro, Salmo 2.7 e então Isaias 42.1 Nesta citação estava o início de revelações gloriosas através da palavra dos profetas.
3. Notemos ainda a manifestação do Espírito Santo que desceu sobre Jesus em forma corpórea. E agora os três evangelistas afirmam que Jesus, cheio do Espírito Santo, se dirige ao deserto. Marcos 1.12 diz que ele foi impelido para, quase forçado a ir para o deserto. (Alguns historiadores vêem nessa ida de Jesus um resultado lógico do seu estado de mente). Ao terminar o batismo, Jesus imediatamente teria começado a meditar nas glórias e lutas de sua missão gloriosa. Que espécie de Messias devo ser? E em sua mente permeavam todas as profecias, tudo estava escrito a seu respeito. E naturalmente foi o Mestre se movendo na direção do deserto onde, segundo Marcos, foi habitar entre as feras. David Smith – (1906-1965), admite que seu jejum teria sido em parte, admitindo que comesse algumas frutas silvestres. O argumento se baseia em que a palavra aqui usada é a mesma que Lucas usara ao narrar a cena do naufrágio de Paulo – (Atos 27.22), quando o jejum implícito foi relativo, retratando refeições irregulares.
4 Quarenta dias se passaram, nos quais Jesus foi tentado pelo Diabo. Mas, segundo Edgar Young Mullins (1860-1928), aos 40 dias a tentação se tornou mais intensa com a presença corpórea de Satanás.
5. Dr. Mac Dowell chama atenção ao fato de que a palavra peirazo usada aqui tem mais o sentido de provar do que propriamente tentar. Ele chama a atenção ao fato de que aquilo a que Jesus foi submetido era realmente mais que uma tentação. Era um teste para saber que espécie de Messias era ele.
6. Notemos que Satanás aproximou-se. "Se tu és o Filho de Deus...". A mesma insinuação que fizera a Eva. "É verdade que Deus disse...". E logo após a terrível insinuação, acrescenta o Diabo: "Prova que é assim por fazer essas pedras em pão... por que passar fome se és o Filho de Deus?... Era uma tentação ao caráter da missão messiânica de Jesus. Porque não era crime somente cometer o mal, sê-lo-ia igualmente deixar de cumprir o dever.
7. A primeira tentação incluía uma satisfação egoística e própria. Jesus nunca fez nada em benefício próprio. Mas, como diz Dr. Mac Dowell, a tentação foi mais profunda em seu apelo. E Jesus prova isto na resposta que dera ao tentador: "Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus" - Deuteronômio 8.2-3. Fareis bem em lembrar-vos que neste texto Moises está provando ao povo que sua vida no deserto foi uma vida de fé e Deus os preservou. Jesus sabia que sua vida teria de ser uma vida de fé, mesmo quando o estômago estivesse vazio, é este o significado de sua missão. Uma vida de fé. E Jesus derrotou o inimigo pelo uso da Palavra de Deus.
II - PASSEMOS À SEGUNDA TENTAÇÃO
Na primeira tentação foi salientada a primeira fase do povo israelita como povo; na segunda o templo como centro da vida religiosa do povo. Mac Dowell é de convicção que a tentação se dera no domínio do pensamento. Outros intérpretes igualmente valorosos admitem a possibilidade real da ida de Jesus ao pináculo do templo. Era Páscoa, possivelmente, e Jerusalém. O povo ansioso por um Messias sensacional poderia tê-lo agora, se o Mestre caísse ante o gozo da vitória sensacional e vaidosa. Assim acontecera com Teudas e Judas – (Atos 21.38), os quais, segundo a história, prometiam as mais absurdas façanhas. Dizia um: "Eu sou o Messias e hei de fazer cair as muralhas de Jerusalém qual fizera Josué outrora"; o outro dizia; "Eu dividirei o Jordão como Josué outrora". Mas aqui estava o Messias diferente e disso Satanás não sabia.
1. "Lança-te daqui abaixo, porque as Escrituras fazem provisão por ti"... Era o uso indevido das Escrituras, torcendo o seu significado, como ainda hoje fazem os adeptos de Satanás. Dois erros de interpretação da parte de Satanás: Primeiro ele falha em reconhecer o significado figurado do texto e em seguida esquece-se de que a Bíblia interpreta a própria Bíblia.
2. "Laça-te daqui abaixo... Atalha sua missão. Não vá pelo caminho mais longo e doloroso da cruz sangrenta e dos sofrimentos da plebe. O povo está aí, lança-te daqui abaixo". Não percamos de vista que o templo era o símbolo de Deus entre o povo e a promessa era tentadora. "Edersheim conta como as tradições diziam que o Messias havia de fazer uma proclamação do alto do templo". Mas Jesus não era Messias de seguir tradições e sim a vontade do Senhor.
3. "Não provarás o Senhor teu Deus, como o fizestes em Massá, onde por falta d'água me magoaste" – (Deuteronômio 6.16). Jesus estava assim dizendo mais do que parece: Não penses que por ter estômago vazio, hei de render à tua tentação... Dr. Mac Dowell acrescenta aqui que o tempo de Jesus estava sendo grandemente materializado e aceitar a proposta satânica de começar ali o seu ministério seria encorajar pelo exemplo o materialismo que o dominava. Mas a fé triunfou outra vez, quando Jesus venceu.
III - A TERCEIRA TENTAÇÃO
Estamos perante o texto que os irmãos por certo estudaram minuciosamente em suas classes. "É Jesus levado a um, alto monte". Há várias ideias sobre qual seria esse monte, mas nenhum é plausível. Não há monte de onde se possa ver todo o mundo. A ideia mais plausível é que Satanás teria levado Jesus ao alto de alguma montanha e dito: "Olha enquanto podes e imagina que além do horizonte ainda estão domínios meus, tudo isto pode ser teu, basta adorar-me".
Notemos que Satanás não duvida mais de que Jesus seja o Filho de Deus, mas deseja lembrar o grande objetivo de sua vinda ao mundo. "Não vieste para estabelecer domínio? Pois domínio podes ter aqui mesmo, se me adorares". Segue o exemplo de César, de Alexandre, de Herodes e Tibério. Havia entre o povo a crença de que o Messias os havia de libertar do jugo estrangeiro. O Zelotas aí estavam para ajudá-lo. Lembra-te que os profetas falaram isto mesmo. Daniel profetizou teu domínio eterno. Vem, toma-o. Mas o mestre escolhe outra vez o caminho mais difícil. "Passa-te daqui Satanás, porque está escrito: ao Senhor teu Deus adorarás e a Ele servirás". A fé vencera outra vez. Estava traçado o caminho da cruz, mas conscientemente.
IV - LIÇÕES DAS TENTAÇÕES DE JESUS
1. Satanás existe e é real. Se ele tentou a Jesus, quanto mais a nós.
2. Jesus foi tentado no deserto, perto do templo e na montanha. Tentação não escolhe lugar, mas busca oportunidade.
3. Cada vitória sobre a tentação nos prepara para uma vitória maior. Foi assim com Jesus e assim nos será sempre. Se vencermos a primeira, não será tão difícil vencer a seguinte.
4. O diabo o deixou por um pouco. Resisti ao diabo e ele fugirá de vós. Mas fugirá por um pouco. Nossa existência é sempre de lutas. Meu filho, se desejares servir ao Senhor, prepara-te para as tentações. Quanto mais elevada a missão, mais freqüentes as tentações, porque quanto mais alto o muro, maior a queda.
5. Jesus foi tentado como nós somos tentados. Mas Jesus resistiu e venceu como devemos resistir e vencer. Esta vitória o tornou mais nosso irmão. Ele compadece-se de nossas fraquezas. Tentado no deserto, mas nem assim sozinho. Anjos vieram para servi-lo.
Que lições nos trouxe a tentação? Provou a perfeita humanidade de Jesus. Colocou-o como um exemplo aos tentados. Tornou-o mais compassivo. Colocou-o em pleno conflito com a mediocridade do tempo.
Comments