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CAPÍTULO III

Quando surgia o dia 23 de dezembro, naquela manhã ainda de dor e saudade, o lar de D. Franquelina se alegrava com a chegada de um bebezinho muito formoso, robusto e rosado, fazendo desaparecer um pouco a triste recordação do que ocorrera dias antes. O bebezinho saudável e que foi, decerto, uma bênção para o lar recebeu o nome de David, que quer dizer: Segundo o coração de Deus.

Dona Franquelina, aquela mãe que sabia orar, de uma vez depositou a criança sobre o altar do Senhor, para que fosse uma bênção, uma luz que brilhasse em trevosa noite.

Mas a alegria do lar foi passageira. Quão insondáveis são os desígnios do Senhor!...

Enquanto todos sentiam, ainda, a dor da saudade, adoecia o muito amado Levi que contava apenas dois preciosos anos. A cabecinha loura ardia em febre. Sua face meiga não tinha mais o brilho de outrora. Seus lábios ressequidos só sabiam murmurar: mamãe, mamãe... Aflita, mas sempre confiante, D. Franquelina procurou o melhor médico do lugar. O Dr. Dorinato de Oliveira. Tudo debalde.

Foi assim que, dias após a morte da filhinha amada, formava-se novamente o triste drama. O pequenino ser despedia-se para os páramos celestes em 2 de fevereiro de 1920.

Levi, por que partiste? Choramos tua ausência. Por que partiste, Levi? E no silêncio do triste drama, dormindo em caixãozinho azul, da cor do céu, adornado com mimosas flores, entrava pressuroso o pai, desalentado, depositando o beijo da saudade em seus dourados cachos. Apaixonado e inconformado, o Sr. Gomes, como que desesperado, murmurou: Por que Deus tomou-nos dois filhos? Isa..., que saudades, minha esposa, sinto da filhinha amada... E, com a voz embargada pelo soluço, beijava e abraçava o entezinho prestes a ser guardado no seio da terra.

Celebrou-se a cerimônia fúnebre. Cantou-se o hino: “Eis que Cristo vem à terra buscar suas joias”... – E as palavras de despedida penetravam em meu coração infantil como se fosse uma espada a transpassar. Era imensurável a dor.

A ausência dos dois pequenos que foram recolhidos aos céus, foi compensada pela alegria da chegada do infante David.

Tendo já depositado sobre os alicerces do Altar o seu filho querido, a mãe que sabia orar por ele intercedia diariamente. Seu pedido: Que o que viera para suavizar a dor, fosse um ungido do Senhor para trabalhar na Seara, levando aos necessitados da salvação a mensagem do amor e perdão imensurável que vem pela cruz.

Numa hora sombria de angústia e recordação, meu pai pronunciou as seguintes palavras: Meu Deus, por que levaste meus filhos já crescidos e formosos? Não seria melhor que eles ficassem conosco e este pequerrucho fosse? E, em tom de humildade, explicava à dileta esposa, achando que o amor ao recém-nascido era bem menor do que aos outros que partiram.

D. Franquelina, surpresa com as palavras do esposo, repreendeu-o com firmeza dizendo: Por que achas isto? Quem sabe seja este o ungido do Senhor, um vaso de benção na causa do nosso Mestre?

Sr. Gomes, atônito, calou-se.

 

Waldemira Gomes de Sá Ano 1965. Não mencionada a editora. Publicação independente.

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